vendredi 1 juin 2012

Racismo, este des-conhecido




Há anos comecei a militar pela questão racial simplesmente por ter sofrido racismo. Talvez, naquele dia, eu entendi o que era o racismo declarado e demonstrado em direção a um grupo. Em outras ocasiões, talvez, eu tivesse achado que tinha atacado somente a mim quanto indivíduo. 

Quando um professor me constrangeu em sala de aula há quase oito anos, dentro de uma universidade pública, foi o primeiro passo para entender que a luta racial é coletiva. Primeiro, trata-se de uma luta. Segundo, trata-se de uma luta pela promoção da igualdade racial. Sim, estamos cansados de saber que raça biologicamente não existe. Porém, socialmente, raça existe. 

Muitas vezes já escutei o conselho: «finja que não existe preconceito». Digamos que quem é negro sabe que é assim que se deve pensar para não surtar. Sim, muitos surtam. Sim, muitos surtavam na época da escravidão quando se viam com (tinham) o direito a vida roubado. Sim, muitas mulheres negras surtavam quando se viam afastadas de seus filhos, de seus maridos.
Por falar em escravidão, fala-se muito dela como um crime contra a humanidade, porém, são poucos os estudos que tratam as heranças do escravismo brasileiro neste Brasil atual [é bom lembrar que somente agora o Estado brasileiro começou a “reparar” os crimes causados durante a ditadura militar, pedindo desculpas formais e “indenizando economicamente”...]. Fácil é falar de racismo. Difícil é assumir, tanto como negro ou não-negro, as heranças desta (maldita) escravidão. 

Como entender a ascensão de negros que não possuem a competência técnica ou política em cargos de confiança? Como entender a necessidade de acadêmicos não-negros tentarem tutelar os estudos acadêmicos negr@s? Como entender a invisibilidade das mulheres negras em postos de decisão? Como entender que a juventude negra continua sendo uma carne barata e descartável? 

Se pensarmos em cada ponto encontramos herança do nosso período escravocrata. Os jagunços que não eram brancos, mas também não se consideravam negros, sempre se juntaram com a forma superior de poder desprezando o que seria subalterno. As nossas relações baseadas onde «cada um sabe o seu lugar», dos apadrinhamentos. Será que ninguém nunca pensou no termo «amadrinhamento», por exemplo? Quem quer ser tutelado por uma mulher branca se há possibilidade de um padrinho branco? Hoje, jovens negros vindos de lares “desestruturados materialmente” (dá-se a impressão que as mulheres negras dão luz aos filhos sozinhas como na época das senzalas...), ou estruturados emocionalmente por mães guerreiras (quantos relatos escutamos de jovens que agradecem o apoio e todo o esforço maternal? Do jogador de futebol ao recém-formado cotista ou pelo pro-uni, as mães possuem papeis estratégicos). 

São as mesmas mulheres que na época da escravidão corriam risco pelos filhos. As mulheres que trançavam os cabelos para esconder o ouro e as sementes para levar para os quilombos. Estas mesmas mulheres que são invisibilizadas hoje. 

Por que a mulher negra incomoda tanto? Ela não possui, como aliados, o homem e a mulher brancos e, em grande parte das vezes, nem o homem negro se alia. De onde vem esta herança? Pouco se fala da história de Anastácia, onde as mulheres da casa grande, com inveja da beleza dela, se calaram e incentivaram as punições até a sua morte. Quantas jovens negras se veem isoladas em situação de conflito? 

Por outro lado, como isolar esta (maldita) herança das instituições que formam o Estado-Nação brasileiro? Se ficarmos atentos ao discurso formal e politicamente correto sobre os negros, os indígenas, as mulheres e outras (ditas) minorias como dignos do título de cidadãos. Porém, quantos/as de nós ficamos pouco convencidos/as quando depois do discurso aquele/a representante do Governo, da instituição qualquer, não nos oferece nem um cartão de visitas, ou nem sequer se apresenta, ignorando sua presença no espaço... 

Sem esquecer que, como no período da escravidão, quem trai é recompensado. Vejamos o caso da ascensão dentro de partidos políticos, do Governo, ou de negros/as que não estão realmente defendo a causa negra. Quantos bons/boas ativistas foram isolados/as e enfraquecidos/as? A máxima do indivíduo negro que trai outro negro, que fugia antes do cativeiro, era promovido e ganhava a liberdade é sempre valida? Ainda presente neste nosso contexto? Digamos que não se trata de mera semelhança com o exercito legionário de certas «potencias mundiais»… 

Ao longo deste texto, fui escrevendo negros/as, escravidão, expressando o que há de naturalizado no discurso sobre os/as negros/as brasileiros/as: a naturalização da escravidão. A escravidão aparece como se fosse um mero período histórico. Mero período onde se matou mais do que a Ditadura no Brasil e no Holocausto. Não quero aqui diminuir dores, mas falo de proporção. Os herdeiros da escravidão não se formaram no exterior, não puderam viver em círculos de elites políticas e, hoje, não podem dar visibilidade tão merecida a este período da história. 

Comissão da verdade e de Justiça? Nós, negros/as (ou afrodescendentes por conveniência histórica), também queremos. Porém, essa justiça pra ser de verdade precisa suprir/reparar os danos causados, ao invés de continuar injustiçando. Queremos entender quando o racismo institucional bate a nossa porta, no nosso espelho, no nosso cotidiano, nos bloqueando de ascender socialmente como qualquer outro/a. 

O outro, o malvado da história, pode encontrar-se dentro do seu próprio país quando o status de cidadão é negado, mesmo simbolicamente. 

Digamos que: fica aqui uma confissão de alguém que, apesar dos diplomas, tem que explicar aos brancos brasileiros o quanto este pais é racista. Digamos que eu não me sinta mais na obrigação «pedagógica» de explicar a certos amigos/as o quanto eles são privilegiados/as na hierarquia social por possuírem uma melanina e um fenótipo diferenciado do meu. 

Digamos que fica a confissão de alguém que não quer mais ver negros/as disputando migalhas em cargos governamentais enquanto o Brasil está investindo pesado na Africa (com a chegada de empresários brancos brasileiros), enquanto se deveria lutar para ocupar cargos estratégicos (como Ministérios: da Saúde, da Justiça, de Minas e Energia etc). 

Eu me pergunto que se realmente o Diabo (aquele que divide) não fez bem o seu trabalho, pois ele soube separar povos pela sua melanina, pelo seu fenótipo. Ele soube também dividir pessoas do mesmo fenótipo e melanina. Hoje, não é mais a cruz e a espada. Hoje, é ignorância e a ganância. A ignorância dos que não conhecem a história do Brasil. A ganância daqueles que esquecem desta causa coletiva, e que quando se chega a um certo cargo é para o benefício de todos/as aqueles/as que se representam. 

Então, faço a fala de um amigo: por que quando se é com brancos não se exige tanto? A pergunta pode ser provocativa, porém, a resposta pode ser muito mais: a nossa maldita herança diz que quando se é «superior» não precisa provar nada. Ja se é «naturalmente». Naturalmente, ocupando cargos de chefia. Naturalmente, ganhando e vivendo melhor que a maioria, como na época da escravidão. 

Ignorar o racismo e a herança escravocrata no Brasil, é manter des-conhecimento da história deste dito Estado-Nação chamado Brasil.



Para saber mais:



lundi 28 mai 2012

O que há de Angola em nós!










Dedico este texto à minha família angolana 






Era mais um Natal (2004 ou 2005?). Desta vez, não estava mais em Porto Alegre, estava em outro país. Tive dois natais. A véspera do natal onde se comemora o “réveillon”, fiquei com uma família francesa. Do dia 25 em diante fui passar com aquela que hoje é minha família angolana. Foram dias de conversas sobre África, França e Diáspora.



Sylvie era minha amiga de casa de estudante, nos tempos de IEP-Rennes (Science Po). Era estudante de Direto. Lembro-me que parte desse Natal passamos eu, ela, a irmã e outros presentes estudando. A tradição da França de provas de inicio de Janeiro fazia com que tivéssemos que estudar durante as férias de Natal. Através dela fui apresentada ao Mafua, Tony e outros amigos que compuseram esta família angolana. A Mainha dela se tornou minha Mainha. Quando me casei, três anos depois, Mainha de Angola foi conversar com a minha sogra no dia do casamento. Queria saber de tudo e mostrar que eu não estava sozinha e que ia acompanhar tudo. A mesma Mainha que mandou perguntar se estava tudo bem na hora da separação já em Angola. Ah, sim, meus amigos angolanos foram os mesmos que me ajudaram corrigindo meu francês e colaborando sobre o trabalho que havia feito para a cadeira da Historia da África (única cadeira africanista no período). Escrever sobre a independência angolana com angolanos foi o primeiro gostinho do que seria e do que é até hoje minha estadia na França.

Em Recife, em meados dos anos 2000, me aproximei dos estudantes de Cabo Verde. Estudantes com quem em aprendi a falar criolo. Hoje, as palavras que eu me lembro não podem ser as mais pronunciáveis em público. No geral, africanos não gostam de palavrões e se chocam muitas vezes com a minha “delicadeza” no momento das piadas. Para eles, os angolanos eram “basofa”. Basofa quer dizer metido, que gosta de ostentar. Era notória a diferença das festas entre os cabo-verdianos e os angolanos. Na minha cabeça até estes meados de 2004 tinha que os angolanos eram todos « basofas ». A simplicidade e calor da recepção da família da Sylvie serviram para entender que nem todos angolanos eram basofas. 

A minha historia é a historia de tantos outros estudantes fora de casa que encontram, formam famílias, onde passam. Com o tempo, com o contato com outros estudantes africanos quando eu cheguei à Paris, passei a ver que o continente africano era maior que Angola e Cabo Verde. Descobri que havia alguns basofas e outros não. Eram almoços que duravam umas quatro horas e me fazia faltar às aulas de italiano. Eram estudantes de varias áreas. A grande maioria mestrandos e doutorandos. Eram conversas que iam de religião à economia. Com eles, me sentia em casa. Eram todos negros.

Porém, muitos deles não me viam como negra. Era mestiça. Nessas horas, eu explicava a historia dos negros no Brasil e falava que eu era NEGRA. Como algumas pessoas não entendiam, eu decidi explicar  “a la Marcia”. Desta maneira, eles entendiam que mestiça era região glútea deles quando não tomavam sol. Alguns riam sem graça, porém, pensavam três vezes antes de me atribuírem uma etnia que não fosse negra. Meus amigos africanos foram aprendendo e respeitando a minha forma de afirmação da africanidade, através da minha negritude. Para eles, era normal ser negro. Porém, ter consciência racial era outra coisa.


Quando eu criei a Afros Mundos, uma das principais lutas foi mostrar o papel que dos negros no Brasil como protagonistas de uma história de luta e vitimas de todas as formas de racismo. Agora que estamos pautando uma Semana da Consciência Negra voltada para os movimentos sociais, para falar exclusivamente sobre Juventude Negra, era difícil explicar, mais uma vez, que eu não era representativa. Nessas horas, os poucos franceses negros e africanos que estiveram no Brasil eram importantes para falar de racismo à brasileira, sobre discriminação racial.

O assassinato das estudantes negras é uma prova deste racismo brasileiro. Agora, possuo um caso concreto e não cordial para mostrar contra o que eu luto. Na rua, qualquer negro, independente da nacionalidade, é negro. Hoje, vamos ver mobilizações de solidariedade com nossas irmãs angolanas. Hoje, estudantes (não apenas) africanos vão compreender que não é condição social, sendo “basofa”, que serão protegidos de formas violentas de racismo.

O racismo à brasileira mostrou-se completamente. Mostrou-se o desprezo à invisibilidade das mulheres negras. Um homem que bate em mulher já não é digno de respeito. Um homem que atira na cabeça de uma mulher não é digno de ser chamado de homem. Um homem que atira no ventre de uma mulher negra não é digno de ser chamado de ser humano  Este ser humano que é branco se acredita, historicamente, superior a outros seres humanos. Ele não é o único. Ele representa o pensamento hegemônico de uma sociedade intrinsecamente racista.

Que estes assassinatos sejam uma bandeira de luta contra o racismo que atravessa os dois continentes. Que entre “basofas”, negros brasileiros, não haja mais fronteiras. Que através deste caso, que pode ser considerado o tipo ideal do racismo à brasileira, eu possa ilustrar com todas as dores, com todo o sangue, com todo sentimento de cordialidade, o racismo brasileiro. Que ele nos una como este oceano Atlântico !





Que as embaixadas africanas no Brasil e que os Governo africanos entendam que nossas relações não pode ser somente comerciais. Que as autoridades africanas, brasileiras se pronunciem em nome de nós, negras e negros africanos, filhos da Diáspora e da Deportação Africana !

Sejamos tod@s Zulmira!





Brasilía, 25 de maio de 2012


Para mais informações: http://www.cdhic.org.br/v01/